Os anos ocultos de Jesus

O que ele fez antes dos 30 anos? A Bíblia não conta. Mas a história e a arqueologia têm muito a dizer por Eduardo Szklarz e Alexandre Versignassi 

O Novo Testamento contém 27 livros, 7 956 versículos e 138 020 palavras. E uma única referência à juventude de Jesus. O Evangelho de Lucas nos conta que, aos 12 anos, ele viajou com os pais de Nazaré a Jerusalém para celebrar o Pessach, a Páscoa judaica. Quando José e Maria retornavam a Nazaré, perceberam que Jesus tinha ficado para trás. Procuraram o garoto durante 3 dias e decidiram voltar ao Templo, onde o encontraram discutindo religião com os sacerdotes. "E todos que o ouviam se admiravam com sua inteligência" (Lucas 2:42-49). 

Isso é tudo. Jesus só volta a aparecer no relato bíblico já adulto, por volta dos 30 anos, ao ser batizado no rio Jordão por João Batista. É quando o conhecemos realmente. Da infância, as Escrituras falam sobre o nascimento em Belém, a fuga com os pais para o Egito - para escapar de uma sentença de morte impetrada por Herodes, rei dos judeus - e a volta para Nazaré. Da vida adulta, o ajuntamento dos apóstolos e a pregação na Galileia, além do julgamento e da morte em Jerusalém. Mas o que aconteceu com Jesus entre os 12 e os 30 anos? Qual foi sua formação, o que moldou seu pensamento nesses 18 "anos ocultos"? Afinal, o que ele fez antes de profetizar na Galileia? 

A notícia para quem deseja reconstruir o Jesus histórico é que novas análises dos Evangelhos, documentos históricos e achados arqueológicos nos dão pistas sobre a sociedade da época. E dessa forma podemos chegar mais perto de conhecer o homem de Nazaré. E entender o que passava em sua cabeça. 


O pedreiro cheio de irmãos 
Uma coisa é certa. Aos 13 anos, Jesus celebrou o bar mitzvah, ritual que marca a maioridade religiosa do judeu. E é bem provável que ele tenha seguido a profissão de José, seu pai. Carpinteiro? Talvez não. "Em Marcos, o mais antigo dos Evangelhos, Jesus é chamado de tekton, que no grego do século 1 designava um trabalhador do tipo pedreiro, não necessariamente carpinteiro", diz John Dominique Crossan, um dos maiores especialistas sobre o tema. Para o historiador, os autores de Mateus e Lucas, que se basearam em Marcos, parecem ter ficado constrangidos com a baixa formação de Jesus. E deram um jeito de melhorar a coisa. Mateus (13:55) diz que o pai de Jesus é que era tekton. E Lucas omitiu todo o versículo. 

As mesmas passagens de Marcos e Mateus informam que Jesus tinha 4 irmãos (Tiago, José, Simão e Judas), além de irmãs (não nomeadas). Mas dá para ir mais longe a partir dessa informação. "Se os nomes dos Evangelhos estão corretos, a família de Jesus era muito orgulhosa da tradição judaica. Seus 4 irmãos tinham nomes de fundadores da nação de Israel", diz a historiadora Paula Fredriksen, da Universidade de Boston. "Seu próprio nome em aramaico, Yeshua, recordava o homem que teria sido o braço direito de Moisés e liderado os israelitas no êxodo do Egito, mais de mil anos antes." 

Assim, a família teria pelo menos 9 pessoas, mas nem por isso era pobre. Nazaré ficava a apenas 8 km de Séforis - um grande centro comercial onde o rei Herodes, o Grande, governava a serviço de Roma. Com a morte dele, em 4 a.C., militantes judeus se revoltaram contra a ordem política. Deu errado: o general romano Varus chegou da Síria para reprimir os rebeldes. E seu amigo Gaio completou o serviço, queimando a cidade. "Homens foram mortos, mulheres estupradas e crianças escravizadas", diz Crossan. Mas a destruição de Séforis teve um lado positivo: Herodes Antipas, filho do "o Grande", transformou o lugar num canteiro de obras. Isso trouxe uma certa abundância de empregos para a região. Um pequeno boom econômico. Então o ambiente ao redor da família de Jesus não era de privações. "A reconstrução da cidade deve ter gerado muito trabalho para José", diz Paula Fredriksen. 

Jesus nasceu no ano da destruição da cidade, 4 a.C. Ou perto disso. O Evangelho de Mateus diz que Jesus nasceu no tempo de Herodes, o Grande (4 a.C. ou antes). Lucas coloca o nascimento na época do primeiro censo que o Império Romano promoveu na Judeia. E isso aconteceu, segundo as fontes históricas romanas, em 6 a.C. A única certeza, enfim, é que "foi por aí" que Jesus nasceu. E que o ódio contra o que os romanos tinham feito em Séforis permeava o ambiente onde ele viveu. "Não é difícil imaginar que Jesus pensou muito sobre os romanos enquanto crescia", diz Crossan. 

Na década de 20 d.C., quando Jesus estava nos seus 20 e poucos anos, o sentimento antirromano cresceu mais ainda. Pôncio Pilatos assumiu o governo da Judéia cometendo o maior pecado que poderia: desdenhar da fé dos judeus no Deus único. 

Mas, em vez de se unir contra o romano, os judeus se dividiram em seitas. Os saduceus, por exemplo, eram os mais conservadores. Os fariseus eram abertos a ideias novas, como a ressurreição - quando os justos se ergueriam das tumbas para compartilhar o triunfo final de Deus. Os essênios viviam como se o fim dos tempos já tivesse começado: moravam em comunidades isoladas, que faziam refeições em conjunto seguindo estritas leis de pureza. Já os zelotes defendiam a luta armada contra os romanos. 

Em qual dessas seitas Jesus se engajou na juventude? Não há consenso entre os pesquisadores. Para alguns, porém, existem semelhanças entre a dos essênios e o movimento que Jesus fundaria - ambas as comunidades viviam sem bens privados, num regime de pobreza voluntária, e chamavam Deus de "pai". Essa hipótese ganhou força com a descoberta dos Manuscritos do Mar Morto, em 1947. Eles trouxeram detalhes sobre uma comunidade asceta de Qumran, que viveu no século 1 e estaria associada aos essênios. O achado ar-queológico não provou a ligação entre Jesus e essa seita. Até porque os essênios eram sujeitos reclusos, ao passo que Jesus foi pregar entre as massas da Galileia e Jerusalém. 

Jesus podia não ser essênio. Mas, para alguns estudiosos, seu mentor foi. 


João, o mestre 
Dois dos 4 Evangelhos começam a falar de João Batista antes de mencionar Jesus. É em Marcos e João. O homem que batizaria Cristo aparece descrito como um profeta que se vestia como um homem das cavernas ("em pelos de camelo") e que vivia abaixo de qualquer linha de pobreza traçável ("comia gafanhotos e mel silvestre"). 

Para a historiadora britânica Karen Armstrong, outra grande especialista no tema, isso indica que João pode ter sido um essênio. A vocação "de esquerda" que Jesus mostraria mais tarde, inclusive, pode vir da ligação do mestre João com a "sociedade alternativa" dos essênios. "É mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus", ele diria mais tarde. 

Os Evangelhos não falam de João como mestre de Jesus. Nada disso. Ele apenas reconhece Jesus como o Messias na primeira vez que o vê. Os textos sagrados também informam que ele usava o batismo como expediente para purificar seus seguidores, que deviam confessar seus pecados e fazer votos de uma vida honesta. 

Então Jesus aparece pedindo para ser batizado. Na Bíblia, esse é o primeiro momento em que vemos o Messias após aqueles 18 anos de ausência. 

Depois de purificado nas águas do rio Jordão, Jesus parte para sua vida de pregação, curas e milagres. A vida que todos conhecem. 

Para quem entende esse relato à luz da fé, isso basta. Mas é pouco para quem tenta montar um panorama da vida de Jesus, um retrato puramente histórico de quem, afinal, foi o homem da Galileia que sairia da vida para entrar na Bíblia como o Deus encarnado. E uma possibilidade é que Jesus tenha sido um discípulo de João Batista. Discípulo e sucessor. 

As evidências: tal como João Batista, Jesus via o mundo dividido entre forças do bem e do mal. E anunciava que Deus logo interviria para acabar com o sofrimento e inaugurar uma era de bondade. Em suma: tanto um como o outro eram o que os pesquisadores chamam de "profetas apocalípticos". E se os Evangelhos jogam tanta luz sobre João Batista (Lucas fala inclusive sobre o nascimento do profeta, assim como faz com Jesus), a possibilidade de que a relação deles tenha sido mais profunda é real. 

O grande momento de oão Batista na Bíblia, porém, não é o batismo de Jesus. É a sua própria morte. Morte que abriria as portas para o nosso Yeshua, o Jesus da vida real, começar o que começou. 


E Yeshua vira Cristo 
João Batista podia se vestir com pele de animal e se alimentar de gafanhotos. Mas tinha a influência de um grande líder político. Prova disso é que morreu por ordem direta de Antipas. O Herodes júnior tinha violado o 10º mandamento da lei judaica: "Não cobiçarás a mulher do próximo". Não só estava cobiçando como estava de casamento marcado com a ex-mulher do irmão, Felipe. João condenou a atitude do rei publicamente. E acabou executado. 

Mateus deixa claro como Jesus, então já com seus 12 discípulos e em plena pregação, recebeu a notícia: "Ouvindo isto, retirou-se dali para um lugar deserto, apartado; e, sabendo-o o povo, seguiu-o a pé desde as cidades". Logo na sequência, o Cristo emenda o maior de seus milagres. Sentido com a fome da multidão que ia atrás dele, pegou 5 pães e dois peixes (tudo o que os apóstolos tinham) e foi dividindo. Passava os pedaços aos discípulos, e os discípulos à multidão. "E os que comeram foram quase 5 mil homens, além das mulheres e crianças" (Mateus 14:21). Horas depois, no meio da madrugada, outro milagre de primeiro escalão: Jesus apareceria para os apóstolos andando sobre as águas. 

Esses episódios, claro, são parte da vida conhecida de Jesus (ou da mitologia cristã, em termos técnicos). Mas deixam claro: a morte de João foi importante a ponto de ter sido seguida de dois dos grandes episódios da saga de Cristo. 

O filho do pedreiro assumiria o vácuo religioso deixado pelo profeta. Agora sim: Yeshua caminharia com as próprias pernas. E começaria a virar Jesus Cristo. "Ele não só assumiu o manto de João, mas alterou sua doutrina. A diferença interessante entre João Batista e Jesus Cristo é que Jesus ergueu o manto caído de Batista e continuou seu programa mudando radicalmente sua visão", diz Crossan. 

Ele continua: "João dizia que Deus estava chegando. Mas João foi executado e Deus não veio". Ou seja: para o pesquisador, Jesus teria ficado tão chocado ante a não-intervenção divina que mudou sua visão sobre o que o Reino de Deus significava. 

"João Batista havia imaginado uma intervenção unilateral de Deus. Jesus imaginou uma cooperação bilateral: as pessoas deveriam agir em combinação com Deus para que o novo reino chegasse", diz o pesquisador. Ou seja: não adiantaria esperar de braços cruzados. O negócio era fazer o Reino dos Céus aqui e agora. Como? Primeiro, extinguindo a violência. Mas e se alguém me der um soco, senhor? "Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra" (Lucas 6:29). Depois, amando ao próximo como a ti mesmo, ajudando ao pior inimigo se for necessário, como fez o bom samaritano da parábola famosa... Em suma, a essência da doutrina cristã. 


A natividade 
Agora, um aparte: chamar de "anos ocultos" apenas a juventude de Jesus é injustiça. O nascimento também é uma incógnita completa. A começar pela data de nascimento: 25 de dezembro era a data em que os romanos celebravam sua festa de solstício de inverno, a noite mais longa do ano. Não porque gostassem de noites sem fim, mas porque ela marcava o começo do fim do inverno. Praticamente todos os povos comemoram esse acontecimento desde o início da civilização - nossas festas de fim de ano, a semana entre o Natal e o Ano-Novo são um reflexo disso. O dia em que Jesus nasceu não consta na Bíblia - foi uma imposição da Igreja 5 séculos depois, para coincidir o nascimento do Messias com a festa que já acontecia mesmo - com troca de presentes e tudo. 

"Na verdade, não sabemos nada histórico sobre Jesus antes de sua vida pública, já que os dois primeiros capítulos de Mateus e Lucas [os que relatam o nascimento] são basicamente parábolas, não história", diz Crossan. De acordo com Mateus, José soube num sonho que Maria daria à luz um menino concebido pelo Espírito Santo. Quando Jesus nasce, magos surgem do Oriente e seguem uma estrela que os conduz a Jerusalém. Lá, eles ficam sabendo que o Cristo nasceu em Belém. Seguindo a estrela, os magos chegam à cidade para adorar o menino e lhe regalam com ouro, incenso e mirra. Mas Herodes fica perturbado com o nascimento e manda soldados matarem todos os bebês de até 2 anos em Belém. Assim, José foge com a família para o Egito e depois vai morar em Nazaré, na Galileia, onde Jesus é criado. 

"Não há nenhum relato, em qualquer fonte antiga, sobre o rei Herodes massacrar crianças em Belém, ou em seus arredores, ou em qualquer outro lugar. Nenhum outro autor, bíblico ou não, menciona isso", diz o teólogo americano Bart D. Ehrman no livro Quem Foi Jesus? Quem Jesus Não Foi? 

No relato de Lucas, o anjo Gabriel vai à casa de Maria, em Nazaré, e lhe avisa que daria à luz um futuro rei. E que o "Filho de Deus" se chamaria Jesus. Maria era uma virgem prometida a José, e o anjo lhe explicou que o filho seria gerado pelo Espírito Santo. Lucas diz que naquela época, "quando Quirino era governador da Síria", um decreto do imperador Augusto obrigou os súditos a se registrar no primeiro censo do Império. Todo mundo devia retornar à cidade de origem para se alistar. Como os ancestrais de José eram de Belém, ele foi com Maria grávida para lá. Jesus nasceu em Belém pouco depois, e foi envolvido em panos na manjedoura. Lá o menino recebeu a visita de pastores e foi circuncidado aos 8 dias, para depois passar a infância em Nazaré. 

"Os problemas históricos em Lucas são ainda maiores", diz Ehrman. "Temos registros do reinado de Augusto, e em nenhum deles há referência a um censo para o qual todos teriam de se registrar retornando ao lar dos ancestrais." 

Ok, mas afinal por que Mateus e Lucas fazem Jesus nascer em Belém? Bom, de acordo com uma profecia do livro de Miqueias, do Antigo Testamento, o salvador viria de lá. Por que de lá? Porque era a cidade do rei Davi, o mais lendário dos soberanos de Israel. 

Depois que o general Pompeu invadiu a Judeia, em 63 a.C., e fez dela província do Império Romano, os profetas passaram a dizer que um rei da linhagem de Davi inauguraria o "reino de Deus". Chamavam essa figura de "o ungido" - já que Davi e outros reis israelitas haviam sido ungidos com óleo. Os Evangelhos foram escritos em grego, o inglês da época. E em grego "ungido" é christos. O Cristo tinha que nascer em Belém. Yeshua provavelmente era de Nazaré mesmo. 

Os Evangelhos, por sinal, são obra de autores desconhecidos. É apenas uma convenção dizer que foram escritos por Marcos (secretário do apóstolo Pedro), Mateus (o coletor de impostos), João (o "discípulo amado") e Lucas (o companheiro de viagem de Paulo). Além disso, os escritores não foram testemunhas oculares. "O autor de Marcos escreveu por volta do ano 70. Mateus e Lucas, de 80. E João, no final dos 90", diz Karen Armstrong. E claro: "Eram cristãos. Eles não estavam imunes a distorcer as histórias à luz de suas crenças", diz Ehrman. Afinal, "evangelho" deriva da palavra grega euangélion, que significa "boas novas". O objetivo dos autores não era escrever a biografia de Jesus, e sim propagar a nova fé. Levando isso em conta, chegamos a outra polêmica: os anos considerados como os mais conhecidos da vida de Jesus também são cheios de episódios misteriosos. Vejamos. 


Yeshua sai da vida para entrar na Bíblia 
Talvez tenha sido em busca de audiência que Yeshua rumou com os discípulos da Galileia para Jerusalém, por volta do ano 30 d.C. Depois de 3 anos pregando na periferia, já seria hora de atuar no palco principal. 

Jerusalém era o pivô do fermento espiritual judaico, e milhares de judeus iam para lá na Páscoa. Os Evangelhos nos dizem que Jesus causou um tumulto no local, destruindo as banquinhas de câmbio (que trocavam moedas estrangeiras dos romeiros por dinheiro local cobrando uma comissão), já que seria uma ofensa praticar o comércio em pleno Templo de Jerusalém, o lugar mais sagrado da Terra para os judeus. Por perturbar a ordem pública, ele foi condenado à cruz. Parece historicamente sólido, mas o episódio central do Novo Testamento também é fonte de reinterpretações. 

No julgamento, por exemplo, a multidão teria pedido que Barrabás, um assassino, fosse solto em vez de Jesus - já que era "costume" da Páscoa. Esse costume, porém, não é mencionado em nenhum lugar, exceto nos Evangelhos. Além disso, Jesus pode não ter sido exatamente crucificado, mas "arvorificado". É a teoria (controversa, é verdade) do arqueólogo Joe Zias, da Universidade Hebraica de Jerusalém. Suas pesquisas indicam que as vítimas dos romanos eram mais comumente crucificadas em árvores, pregando uma tábua de madeira no tronco para prender os braços do condenado. Seja como for, não há por que duvidar de que ele tenha sido executado. Roma usava e abusava do expediente para tentar manter o controle das regiões que conquistava. Segundo Flávio Josefo, historiador judeu do século 1, numa só ocasião 2 mil judeus foram executados 

A história de Jesus não acaba aí, claro. "Alguns discípulos estavam convencidos de que ele ressuscitara. E que sua ressurreição anunciava os últimos dias, quando os justos se reergueriam das tumbas", diz Armstrong. Para esses judeus cristãos, Jesus logo retornaria para inaugurar o novo reino. O líder do grupo era Tiago, irmão de Jesus, que tinha boas relações com fariseus e essênios. E o movimento se expandiu. Quando Tiago morreu, em 62, Jerusalém vivia o auge da crise política. Em 66, romanos perseguiram os judeus com medo de uma insurgência. Os zelotes se rebelaram e conseguiram manter as tropas do Império afastadas por 4 anos. Com medo de que a rebelião judaica se espalhasse, Roma esmagou os revoltosos. Em 70, o imperador Vespasiano sitiou Jerusalém, arrasou o Templo e deixou milhares de mortos. 

"Não temos ideia de como seria o cristianismo se os romanos não tivessem destruído o Templo", diz Armstrong. "Sua perda reverbera ao longo dos livros que formam o Novo Testamento. Eles foram escritos em resposta à tragédia." 

Para os pesquisadores, então, os textos sagrados refletem a realidade da Judeia do final do século 1 - e não a do início, a que Jesus viveu de fato. Por exemplo: Barrabás personificaria os sicários, judeus que saíam armados de punhais para matar romanos na calada da noite, como uma forma de vingança pela destruição do Templo. E que por isso mesmo eram assassinos amados pela população.

Quer dizer: Barrabás seria um personagem típico da década de 70 d.C., inserido no episódio da morte de Jesus, fato que aconteceu na década de 30 d.C, num momento em que o ódio aos romanos e o louvor a quem se dispusesse a matá-los não eram tão violentos. 

Até a época em que os Evangelhos foram escritos, o movimento de Jesus era apenas um entre as várias seitas judaicas. Os primeiros cristãos se diziam "o verdadeiro Israel" e não tinham intenção de romper com a corrente principal do judaísmo. Mas tudo mudou com a destruição do Templo. 

Ela intensificou a rivalidade entre as facções judaicas. "Em sua ânsia por alcançar o mundo gentio (o dos não-judeus), os autores dos Evangelhos estavam dispostos a absolver os romanos da execução de Jesus e declarar, com estridência crescente, que os judeus deviam carregar a culpa", diz Armstrong. João, o Evangelho mais virulento, declara que os judeus são "filhos do Diabo" (João 8:44). Até o autor de Lucas, que tinha uma visão mais positiva do judaísmo, deixou claro que havia um bom Israel (os seguidores de Jesus) e um Israel mau - os fariseus. 

A rixa com os fariseus tem lógica, já que eram competidores diretos dos judeus cristãos. "Num extremo do judaísmo estavam os saduceus, a ala mais conservadora. No outro, os essênios, a mais radical. Já os fariseus e os judeus cristãos estavam no meio. Eles lutavam pela mesma coisa: a liderança do povo, que estava entre as duas pontas", diz Crossan. 

Não é surpresa, aliás, que os livros do Novo Testamento contenham tantas contradições entre si. "Quando os editores finais do Novo Testamento juntaram esses textos, no início da Idade Média, não se incomodaram com as discrepâncias. Jesus havia se tornado um fenômeno grande demais nas mentes dos cristãos para ser atado a uma única definição", diz Armstrong. Os Evangelhos atribuídos a Marcos, Lucas, Mateus e João seriam finalmente selecionados para o cânon da Igreja. Dezenas de outros evangelhos ficaram de fora. 

Só no século 2, quase 100 anos após a morte de Jesus, começam a aparecer relatos sobre ele no centro do Império. Um deles é uma carta do político romano Plínio ao imperador Trajano. Plínio cita pessoas conhecidas como "cristãs" que veneravam "Cristo como Deus". Outra fonte é o historiador romano Tácito, que menciona os "cristãos (...), conhecidos assim por causa de Cristo (...), executado pelo procurador Pôncio Pilatos". Suetônio, que escreveu pouco depois de Tácito, informa sobre uma perseguição de cristãos, "gente que havia abraçado uma nova e perniciosa superstição". Uma "superstição" cuja mensagem convenceria cada vez mais gente, a ponto de, no século 4, o imperador romano em pessoa (Constantino, no caso) converter-se a ela. E o resto é história. Uma história que chega ao seu segundo milênio. Com 2 bilhões de seguidores. 

Lost Years 
Antes dos 30, Jesus provavelmente teve a mesma formação religiosa dos judeus de sua época. Ou seja: seguia outro Jesus. Outro profeta. 


16 anos 
O jovem Yeshua (Jesus, em aramaico) tinha 4 irmãos homens e pelo menos duas irmãs mulheres. E cresceu na cidade onde nasceu: Nazaré. 


20 anos 
Ele pode não ter sido carpinteiro, mas pedreiro. O engano de 2 mil anos seria culpa de um erro de tradução. 


28 anos 
Na Bíblia, o profeta João apenas batiza Cristo. O mais provável, porém, é que ele tenha sido o grande mentor do jovem Yeshua. 


33 anos 
Os romanos crucificavam em massa. E também usavam árvores como base. Esse pode ter sido o cenário da morte de Jesus. 

http://super.abril.com.br/religiao/anos-ocultos-jesus-634671.shtml

Por que personagens bíblicos importantes, como Moisés, não são santos?


por Yuri Vasconcelos
Na verdade, embora Moisés, Davi, Salomão e tantos outros personagens do Antigo Testamento não tenham sido oficialmente canonizados, eles são, sim, considerados santos pela Igreja Católica. "Eles
são os santos patriarcas", afirma o teólogo Irineu Rabuske, professor do Departamento de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Acontece que a Igreja não usa o termo santo para quem veio antes de Cristo - com exceção de são João Batista e dos pais (Virgem

Maria e são José) e avós (são Joaquim e santa Ana) de Jesus. Em geral, as figuraschave do Antigo Testamento recebem o nome de "justos". O processo de canonização só começou a rolar na Igreja no século 10, para disciplinar a criação desenfreada de santos, que, naquela época, era feita a torto e a direito. Não se sabe ao certo quem foi a primeira pessoa oficialmente canonizada pelo Vaticano, mas alguns estudiosos apontam que foi o religioso Ulrich (c.890-973), arcebispo da cidade alemã de Augsburgo. Hoje, o processo de canonização é conduzido pela Congregação para as Causas dos Santos. O catálogo oficial de santos e beatos da Igreja conta atualmente com mais de 6 500 nomes, dos quais apenas seis beatos e um santo (frei Galvão) são brasileiros. $-)
http://mundoestranho.abril.com.br/materia/por-que-personagens-biblicos-importantes-como-moises-nao-sao-santos#&t=Por%20que%20personagens

O evangelho segundo Judas

Por dois milênios, Judas foi apontado como o maior traidor de Jesus. Agora, documentos sugerem que ele pode ser sido o mais fiel de seus seguidores.
por Ana Paula Chinelli

Essa é a última palavra sobre Judas Iscariotes: ele não traiu Jesus. Não é, necessariamente, a verdadeira. Nem a mais correta. Mas é a última versão da história mais polêmica do cristianismo. A revelação faz parte de um manuscrito redigido há cerca de 1,7 mil anos e que passou a maior parte desse tempo perdido em uma caverna no deserto egípcio. Escrito em copta, o idioma usado na redação de manuscritos no Egito antigo, o texto não deixa qualquer dúvida sobre os segredos que promete revelar. Na linha que abre a primeira das 13 folhas encontradas está grafado em destaque:Evangelho de Judas.
A tradução do manuscrito foi apresentada em abril, após 5 anos de trabalho. Autenticação, restauração e decodificação foram feitas pela Fundação Mecenas, da Suíça, e bancadas pela National Geographic Society. O resultado deixou historiadores e arqueólogos eufóricos. Afinal, descobertas como essa são raras e têm poucos precedentes – em termos de valor histórico, o evangelho pode ser comparado ao encontro dos Pergaminhos do Mar Morto, em 1947, que nos trouxe a mais antigaBíblia conhecida, ou dos Manuscritos de Nag Hammadi, em 1948, que revelou ao mundo a existência dos evangelhos apócrifos. Juntos, todos esses textos estão permitindo que pesquisadores reconstruam a história do nascimento da religião que mais tem fiéis no mundo. “Por 2 mil anos, acreditamos que as únicas fontes sobre a vida de Jesus eram os 4 evangelhos canônicos: Mateus, Marcos, Lucas e João. Mas, nos últimos 50 anos, vimos que eles são apenas um pequeno exemplo entre vários textos que foram escritos nos primeiros séculos após a crucificação”, diz Elaine Pagels, professora de religião na Universidade de Princeton.
Não que o Evangelho de Judas fosse exatamente um desconhecido. Estudiosos da religião já sabiam de sua existência por causa de uma carta escrita em 178 d.C. pelo então bispo de Lyon, santo Irineu – o homem que decidiu que apenas os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João entrariam naBíblia. Em seu texto, Irineu citava nominalmente o Evangelho de Judas em meio a outros textos que o desagradavam pelo conteúdo “herético”.
O manuscrito recém-traduzido afirma que o único apóstolo a entender todo o significado dos ensinamentos de Jesus foi Judas. Ele mesmo, o homem cujo boneco é espancado anualmente na Páscoa brasileira. Cujo uso do nome é proibido na Alemanha. O sinônimo definitivo de traição. E, goste ou não, a última chance de rever esse estigma sobre o apóstolo é o evangelho. “Desconhecemos a existência de qualquer outro documento que relate a vida de Judas”, afirma Stephen Emmel, professor de estudos coptas da Universidade de Münster, na Alemanha, e um dos primeiros estudiosos a entrar em contato com o manuscrito. Estamos, portanto, diante da última palavra sobre Judas Iscariotes.
Quem foi Judas?
Judas é um personagem sem história. Com exceção de 15 citações nos evangelhos canônicos e algumas outras no Atos dos Apóstolos, quase não há registros de seu passado antes de conhecer Jesus. Ao contrário de apóstolos como Pedro, que era pescador, ou do cobrador de impostos Mateus, a Bíblia não conta de onde ele veio ou como ganhava a vida. Um silêncio que não chega a surpreender. “Pouco se sabe sobre Judas porque os evangelhos não tinham compromisso com ahistória. Eram apenas textos para orientar os cristãos e passar os ensinamentos de Jesus”, diz Gabriele Cornelli, doutor em ciências da religião da Universidade Metodista de São Paulo. E a orientação oficial sempre foi clara: Judas era o vilão. E ponto final.
Ponto final para os fiéis, é claro. Para os pesquisadores, este é apenas o ponto de partida para dúvidas que nunca foram respondidas. Algumas delas: assim como os outros 11 apóstolos, Judas também teve um grupo de seguidores? Quem eram eles? Há algum legado seu para o cristianismo? Qual foi a relação dele com Jesus? Judas foi mesmo o vilão pintado pela Bíblia? As respostas, como boa parte da história do nascimento do cristianismo, passam mais por hipóteses que por fatos comprovados. Acredita-se, por exemplo, que Judas era uma espécie de outsider entre os seguidores mais próximos de Jesus. Seu sobrenome, Iscariotes, provavelmente é uma indicação da cidade em que ele nasceu: Cariotes, ou Kerioth, ou algo bem próximo a isso – a vila nunca foi localizada com precisão. Sabe-se que o lugarejo ficava perto de Hebron, uma importante área urbana no sul da Judéia. Mas que estava a cerca de 5 dias de viagem da Galiléia, região que abrigava o coração da religião que nascia, onde viviam Jesus e seus outros 11 apóstolos (veja mapa no quadro acima).
E o que isso quer dizer? Que Judas pode ter sido uma figura bastante importante para Jesus. Caberia a ele levar as pregações aos habitantes da Judéia. E isso não era pouco. Vivendo no então principal centro político e econômico de onde hoje fica Israel, os habitantes da região acreditavam ser intelectualmente superiores aos moradores da Galiléia, considerados rústicos e atrasados, quase caipiras. O fato de Judas, um local, falar bem de Jesus pode ter ajudado a abrir as portas da região para o líder forasteiro. “A existência de um Evangelho de Judas leva a crer que ele teve seguidores e nos faz supor que ele tinha forte influência na Judéia”, diz Emmel.
Para entender como Judas podia ter uma “área de influência” é preciso conhecer a estrutura do grupo de seguidores que Jesus tinha ao seu redor. Eles estavam divididos em 3 círculos. No mais distante, ficavam os ouvintes. Eles estavam em todo o território judaico e não seguiam Jesus, mas eram simpáticos às suas pregações. No segundo grupo estavam os discípulos, cerca de 70 pessoas que seguiam o mestre, ouviam seus discursos, anunciavam sua chegada nas cidades, faziam algumas pregações em seu nome, mas não tinham compromisso com Jesus. Foi desse grupo que ele escolheu 12 homens a quem chamou de apóstolos (mensageiros, em grego). Eles formavam o terceiro grupo e eram os mais fiéis. Faziam parte desse núcleo central os irmãos Pedro e André, Tiago e João, Filipe, Bartolomeu, Tomé, Mateus, outro Tiago (que era primo de Jesus), Judas Tadeu, Simão e Judas Iscariotes. “Jesus e os apóstolos tinham uma relação de profundo respeito e amizade”, diz o historiador da religião João de Araújo.
Nesse grupo, alguns tinham papéis definidos. Segundo a Bíblia, cabia a Judas a administração do dinheiro recolhido durante as pregações – uma função que sugere a confiança de Jesus (mas que também pode nunca ter existido, sendo acrescentada apenas para reforçar sua afeição ao dinheiro). A verba arrecadada cobria o custo das viagens. “Jesus foi um líder itinerante”, diz Cornelli.
Na ausência do líder, seus seguidores trabalhavam individualmente na busca por fiéis. “Jesus tinha muita clareza do que estava fazendo. Ele organizou células no território judaico e compôs uma estrutura que deu sustentabilidade ao seu poder. Isso explica por que o cristianismo sobreviveu mesmo depois de sua morte”, afirma o historiador André Chevitarese, professor de história antiga da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Assim, é muito provável que cada um dos apóstolos tivesse um grupo próprio de seguidores. Afinal, apesar de falarem em nome de Jesus, eram eles que entravam em contato direto com as pessoas comuns. Davam conselhos, pregavam, supostamente operavam milagres. E, obviamente, faziam isso a seu modo: quem ouvia Pedro tinha uma visão diferente da dos seguidores de João ou Tomé sobre os ensinamentos de Cristo.
Mais tarde, essas peregrinações individuais serviriam como a semente que germinaria diversos cristianismos diferentes nos séculos 1 e 2 d.C. – é isso mesmo que você leu, diversos cristianismos. Antes, porém, a nova religião precisaria assistir a seu episódio mais emblemático.
A traição
Judas, a Bíblia manda dizer, teve papel central na prisão de Jesus. Ele foi o alcagüete, o X-9, o ganso, o dedo-duro, enfim, o judas da história. Levou os soldados romanos ao jardim do Getsêmani, onde alguns apóstolos e seguidores estavam reunidos e, à frente dos guardas, deu o famoso beijo que identificou o líder do grupo. Resumindo, Judas traiu Jesus. Simples assim. Essa é a história conhecida por todos. Ou pelo menos era, até os pesquisadores da Fundação Mecenas traduzirem o Evangelho de Judas.
Em 26 páginas, o documento narra os episódios ocorridos durante a semana que antecede a Páscoa judaica no ano de 33 d.C. (os dias imediatamente anteriores à prisão de Jesus) e mostra uma versão completamente diferente da que tínhamos acesso até hoje. No relato, Judas é descrito como o discípulo mais próximo de Jesus, o único capaz de compreender a essência de seus ensinamentos. A profundidade da relação entre os dois aparece, por exemplo, numa passagem em que Cristo desafia os apóstolos ao zombar do comportamento deles. Rindo, acusa-os de não rezar por vontade própria, mas apenas por acreditarem que assim agradariam a Deus. Enquanto os apóstolos, ofendidos com a bronca levada, “começaram a blasfemar contra Jesus em seus corações” (nas palavras do evangelho), Judas mostra ser o único a entender as palavras do líder. Impressionado, Jesus o chama em particular para dizer: “Se afaste dos outros e eu lhe contarei os mistérios do Reino. Você pode entendê-los, mas vai sofrer por isso”.
E quais foram os segredos revelados? Nos manuscritos, Jesus fala sobre um mundo superior, habitado pelo verdadeiro Deus, um espírito bom “que nunca foi chamado de nenhum nome” e que deu origem a uma linhagem de anjos de onde saiu o criador da Terra. Adorado pelos judeus e citado no Antigo Testamento, este seria um Deus inferior, cuja criação aprisiona o espírito do homem. Para nos salvar e encontrar o Deus bom, precisaríamos buscar nossa porção divina interior e nos libertar desse mundo.
Por fim, Jesus revela que Judas será superior a todos os homens porque ”sacrificará o homem que me veste”. E revela a missão do discípulo: matar a parte física para livrar o mestre de seu corpo, ou seja, do reino inferior que aprisionava o espírito divino de Jesus. Judas cumpre à risca as ordens: imediatamente procura os sacerdotes para denunciar o líder. Pelo serviço, embolsou algum dinheiro – o valor não é especificado. Nesse momento, o evangelho acaba, abruptamente.
A idéia de que Cristo não só sabia de sua morte como permitiu que ela acontecesse não é exatamente uma novidade. Nos textos bíblicos, Jesus avisa pelo menos 3 vezes a seus seguidores que será morto. Aponta, inclusive, a traição por um de seus discípulos. O que o Evangelho de Judasacrescenta a essa história é que Jesus teve um cúmplice para ajudá-lo a cumprir seu destino. “Nesse texto, Judas não é o seguidor mau que trai seu mestre. Ele é o amigo mais próximo, o que o compreendia melhor, que o entregou para as autoridades porque assim Jesus queria”, afirma o historiador Bart Ehrman, professor do Departamento de Estudos Religiosos da Universidade da Carolina do Norte, nos EUA, e integrante da equipe que traduziu o evangelho.
Apresentar Judas como alguém que agiu a serviço de Jesus é uma história bastante diferente das contadas em todas as fontes disponíveis – os evangelhos canônicos, o Atos dos Apóstolos e os textos apócrifos. Mas, antes mesmo da descoberta do novo evangelho, outros textos já passavam longe de pintar Judas como grande vilão da história, ou então como uma pessoa gananciosa e demoníaca. O Evangelho de Marcos, escrito por volta de 65 d.C. e considerado pelos historiadores o mais velho entre os 4 canônicos, cita Judas nominalmente apenas 3 vezes, afirma ser ele o responsável pela traição mas diz que a recompensa em dinheiro foi oferecida pelos sacerdotes.
A partir daí, a imagem de Judas na Bíblia vai se tornando progressivamente má. Mateus, escrito por volta do ano 80 e o segundo mais antigo, atribui a traição à ganância de Judas, dizendo que teria denunciado Jesus em troca das famosas 30 moedas de prata – o preço de um escravo na época. Mas relata seu remorso ao ver que Cristo foi condenado e conta que Judas reconheceu que tinha entregado um justo, devolvendo as moedas e depois se enforcando. Lucas, o seguinte na lista, diz que “Satanás entrou em Judas” e, por isso, ele traiu Cristo. O texto de João, que teria sido escrito no início do século 2, diz que, além de possuído pelo demônio, Judas também era ganancioso e ladrão.
Em textos apócrifos, outras hipóteses são levantadas. Uma delas diz que os primeiros cristãos esperavam que Jesus lutasse com armas contra Roma. Decepcionado com a covardia do mestre, Judas o teria entregado. Outra versão diz que, ao delatar Jesus, Judas pretendia precipitar uma revolta no povo de Jerusalém, que libertaria seu líder e o colocaria no trono. Uma espécie de golpe à Jânio Quadros – só que, enquanto Jânio foi para casa, o erro estratégico de Judas levou seu líder à cruz. Para Craig Evens, estudioso de assuntos bíblicos do Acadia Divinity College, no Canadá, tantas versões distintas sobre o mesmo tema revelam muito sobre a Bíblia. “Um dos evangelhos afirma que Judas agiu por dinheiro, outro não cita motivações, dois falam em ação demoníaca. Creio que essas versões tão distintas deixam claro que os escritores do Novo Testamento não sabiam exatamente quem era Judas Iscariotes.”
Primeiros cristãos
Depois que foi crucificado, a Bíblia conta, Jesus ressuscitou e ordenou aos apóstolos propagar a fé em Deus por toda parte. Se a ressurreição aconteceu ou não é questão de crença religiosa. Mas que os seguidores de Cristo se espalharam pelo mundo, não há dúvida – até porque a perseguição dos sacerdotes judeus fazia de Jerusalém um território para lá de perigoso. Judas Tadeu e Simão seguiram para a Pérsia. João percorreu a Turquia e se instalou em Éfeso, um dos primeiros centros do cristianismo. Pedro viajou para Roma (veja por onde passaram outros apóstolos no mapa da página 63).
Se enquanto Jesus estava vivo cada discípulo já contava a história ao seu modo, depois da crucificação as versões se multiplicaram. Quando os apóstolos morreram sem deixar instruções por escrito, então, já não havia como esclarecer dúvidas. Circulavam centenas de versões para os mesmos fatos. Cristo era divino ou não? Divino por inteiro ou só parcialmente? Quem, afinal de contas, era Deus? Como existia mais de uma resposta para a mesma pergunta, em poucos anos o tronco original do cristianismo – as idéias e relatos de Jesus – se ramificou em diversos galhos. Os ebonitas, por exemplo, pregavam obediência às leis do judaísmo. Os marcionistas diziam que odeus judaico não era o Deus do Novo Testamento. Fala-se que os carpocracianos faziam troca de casais (tudo bem santo e em nome de Deus, é claro). Resultado: na metade do século 1, apenas 20 anos após a morte de Jesus, o cristianismo era formado por diversas correntes, muitas contraditórias entre si. E tinha, pelo menos, 3 dezenas de evangelhos diferentes – os textos que narram a passagem de Cristo pela Terra. Destes, apenas os de Marcos, Mateus, Lucas e João acabaram reconhecidos pela doutrina da Igreja. Os demais, acusados de propagar heresias, jamais foram acolhidos pelas autoridades católicas. Os textos excluídos eram atribuídos a Maria Madalena, Judas, Tomé, Pedro e, agora se sabe, até a Judas. “A maior importância na descoberta desse novomanuscrito é comprovar a existência de uma diversidade de opiniões no cristianismo primitivo”, diz Marvin Meyer, especialista em Bíblia da Universidade Chapman, nos EUA, e coordenador da tradução do Evangelho de Judas.
Como é consenso entre historiadores que os evangelhos não foram escritos pelos discípulos de Jesus que levam seus nomes, mas por seguidores deles, resta a dúvida: quem, afinal, era o tal fã do bad boy da história? “É muito difícil identificar o autor do texto. O máximo que podemos é saber o perfil dele: um cristão simpático ao lado místico da religião”, diz Meyer. E quando fala em “lado místico da religião”, Meyer dá a senha para resolver o mistério. Para ele, o Evangelho de Judas foi redigido em alguma comunidade gnóstica, um desses galhos do cristianismo primitivo. A suposição pode ser confirmada por documentos históricos. Afinal, o próprio Irineu, perto de 180 d.C., identificou os autores do evangelho como gnósticos. Ao contrário do que muitos afirmam, esse não eram um ramo dissidente do cristianismo. Pelo contrário: gnósticos eram bastante influentes nos primeiros séculos após a crucificação, pregando que o homem conseguiria a salvação se conhecesse Deus – gnosis, em grego, significa conhecimento. Lembra-se do motivo pelo qual Jesus disse a Judas que precisava morrer? É exatamente disso que estamos falando.
Gnósticos acreditavam que os homens se libertariam da prisão do corpo quando conhecessem a parcela divina que tinham dentro de si. “Eles diziam que o mundo foi criado por um outro Deus, mau, e que o corpo material era uma prisão do espírito”, afirma o frei franciscano Jacir Freitas de Faria, professor do Instituto São Tomás de Aquino, em Belo Horizonte, e um dos principais estudiosos dos gnósticos no Brasil. Não é à toa, portanto, que o Evangelho de Judas é considerado pelos pesquisadores como fortemente influenciado pelo pensamento gnóstico. “Esse evangelho mostra um modo completamente diferente de entender Deus, o mundo, Cristo, a salvação e a existência humana”, completa. Esse modo reflete o pensamento dos gnósticos.
A dúvida que fica é como um grupo de gnósticos concluiu que o suposto vilão é o verdadeiro mocinho da história. Na Bíblia, há duas versões para o destino de Judas. O Evangelho de Mateus conta que, tomado de remorso, ele devolveu as 30 moedas que havia recebido pela traição e se enforcou. Mas, segundo o Atos dos Apóstolos, Judas comprou um terreno com o dinheiro e, “tombando para a frente, arrebentou-se pelo meio, e todas as entranhas se derramaram”. “As versões da morte de Judas narradas na Bíblia são inconciliáveis, mas são os únicos relatos que temos”, afirma Chevitarese.
Mas, se Judas foi culpado pela traição e morreu tão cedo, como reuniu seguidores para escreverem seu evangelho? O professor Stephen Emmel formula duas hipóteses: ou Judas teve tempo de contar suas conversas com Cristo antes de se matar; ou não morreu tão cedo. “Quem escreveu o texto de Judas pensava que ele era um discípulo muito importante”, diz. “Acreditava que alguns ensinamentos especiais foram transmitidos por Cristo a Judas. E apenas a ele.”
A história oficial
No 1º século do cristianismo, o excesso de versões para as palavras de Jesus não era um problema. Mas, em 178 d.C., o bispo Irineu, de Lyon, resolveu unificar a Igreja. Queria fortalecer ocristianismo e controlar melhor os fiéis. Determinou, então, que apenas 4 evangelhos contavam ahistória verdadeira do filho de Deus e, portanto, deveriam ser os únicos seguidos pelos cristãos. O de Judas foi descartado.
Os critérios que orientaram a escolha de Irineu foram subjetivos. O primeiro, dizem historiadores, foi a facilidade de compreensão, já que os textos precisariam ser lidos em voz alta para os fiéis – afinal, a maioria era analfabeta. O segundo ponto era a idade: os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João estavam entre os mais antigos, escritos entre 65 e 95 d.C. O terceiro argumento foi o número 4, considerado especial por Irineu – porque havia “4 ventos e 4 direções (norte, sul, leste e oeste)”, como escreveu o próprio bispo. E, por óbvia conclusão, 4 evangelhos. Deu para entender a lógica?
É claro, a história relatada no evangelho também foi levada em conta. Irineu representava ocristianismo ocidental, ligado aos legados do apóstolo Pedro, que pregou em Roma. Ele não aceitava – na verdade, rejeitava – os pensamentos gnósticos. “Os gnósticos diziam que a salvação vinha pelo autoconhecimento. Assim, acreditavam que não precisavam freqüentar cultos e igrejas ou ter um padre como intermediário. Também afirmavam que a morte de Cristo na cruz serviu para libertá-lo da prisão que era seu corpo, mas seu sofrimento não poderia salvar os homens que aderissem àIgreja Católica”, diz Jacir de Faria. Na prática, a pregação gnóstica não era nada interessante para um bispo que tinha como objetivo fortalecer a Igreja. Evangelhos como o de Judas, Tomé e até o de Pedro receberam o carimbo de heréticos.
“Os líderes da Igreja queriam que o Novo Testamento fosse uma guia do que os fiéis deveriam aprender. Por isso, os 4 evangelhos oficiais são livros óbvios, claros. Os textos proibidos, não. Eles são místicos, inesperados, paradoxais, mais próximos à cabala judaica. São para iniciados que querem se aprofundar na fé”, diz Elaine Pagels.
Ao fazer suas escolhas, Irineu selou o destino de Judas. Um exemplo: por que Pedro, que negou Cristo 3 vezes, jamais teve sua virtude colocada em dúvida e não entrou para a história como traidor? “Pedro, chefe da Igreja em Roma, tinha de ser o herói. A Igreja elegeu Judas como vilão já que um dos 12 deveria trair”, diz o historiador Chevitarese.
“Judas serve como exemplo para amedrontar os cristãos que não seguirem o Evangelho”, comenta Jacir. “O cristianismo precisa desses arquétipos. Destruí-los é mexer nas bases que o sustentam.” Foi mais seguro para Irineu, portanto, ficar com os evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João, que seguiam linhas parecidas e não feriam os princípios de que Pedro era o apóstolo mais próximo de Cristo e Judas, o traidor. (Para quem ficou curioso ao perceber que Marcos e Lucas não integravam a lista original de apóstolos, o esclarecimento: Marcos era sobrinho de Pedro. Lucas, amigo de Paulo, que se tornou apóstolo após a crucificação, segundo ele, “por vontade de Deus”.)
Não chega a ser surpresa, portanto, que a Igreja tenha recebido com frieza a descoberta dos manuscritos. Ainda que pesquisadores como Marvin Meyer, coordenador dos trabalhos de tradução, defendam uma “reavaliação da figura histórica de Judas Iscariotes”, o Vaticano veio a público negar a benção ao novo evangelho. Walter Brandmuller, presidente do Comitê para Ciência Histórica do Vaticano, chamou o texto de “produto de fantasia religiosa”. E, na primeira missa após a divulgação do evangelho, o próprio papa Bento 16 fez questão de apresentar sua opinião sobre o tema. Não aliviou nas palavras. “O que deixa o homem imundo? A rejeição ao amor, o não querer ser amado e o não amar. É a soberba de acreditar que não precisa de purificação, a rejeição da vontade salvadora de Deus. Em Judas, vemos a natureza dessa negação com mais clareza. Ele valorizou Jesus segundo os critérios do poder e do sucesso”, disse.
“A Igreja nunca vai aceitar a versão que absolve Judas da traição. Na visão dela, o pecado de Judas existiu e se deve ao mau uso de sua liberdade. Afinal, ele tinha livre-arbítrio para escolher não entregar Cristo. Não foi um ato inevitável, nem um fatalismo”, diz o historiador da religião João de Araújo. O frei Jair de Faria concorda. “Judas somos todos nós quando traímos o projeto do Evangelho. O recado é claro: na dúvida, melhor não trair.” Judas que o diga.
http://super.abril.com.br/religiao/evangelho-judas-446400.shtml

6 casais incestuosos da Bíblia

Incesto é errado, certo? Pois nos primeiros livros da Bíblia, lá no Antigo Testamento, não faltam casais entre parentes. Enquanto algumas uniões foram pacíficas e formaram casais felizes, algumas histórias de incesto do Livro Sagrado são de arrepiar os cabelos. A lição que fica? Desconfie do vinho, mesmo que ele seja oferecido pelo seu irmão ou pelas suas filhas.
Abraão e Sara
Eram filhos do mesmo pai, mas com mães diferentes. Permaneceram juntos até a morte de Sara, aos 127 anos (Gên. 20:12)
Nahor e Milca
O irmão de Abraão se casou com a sobrinha, filha do seu irmão morto, Harã. Milca é irmã de Ló, que também teve uma relação incestuosa. Mas sobre essa, a gente fala daqui a pouco (Gên. 11:27, 29)
Anrão e Joquebede
Joquebede era tia de Anrão por parte de pai. Eles tiveram três filhos juntos: Aarão, Moisés e Miriã. Sim, aquele Moisés, o do Egito (Êxo. 6:20)
Amnon e Tamar
Amnon estuprou Tamar. Ambos eram filhos de David, mas de mães diferentes. Dois anos após o estupro, Absalom, irmão de Tamar por pai e mãe – e meio-irmão de Amnom – finalmente vingou sua irmã. Para isso, ele preparou uma festança para a qual todos os filhos do rei David foram convidados e mandou seus servos matarem Amnom quando ele estivesse muito bêbado (II Sam. 13:2, 14, 28-29)
Ló e suas duas filhas (aí são dois casais – e uma história bizarra)
Não é só incesto, é menage? Não, cada uma dormiu com o pai um uma noite. Mas poderíamos classificar as duas noites como abuso sexual. E o pai foi a vítima!
Mas calma, vamos do começo: Ló, sobrinho de Abraão, morava em Sodoma com sua família. Antes de Sodoma e Gomorra serem destruídas pela fúria de Deus, dois anjos foram enviados dos céus para tirarem Ló, sua mulher e duas filhas virgens (a Bílbia não fala seus nomes) de lá, pois eles não eram pecadores como o resto dos habitantes da região.
Eles deveriam fugir sem olhar para trás. Mas a mulher de Ló não resistiu, olhou e virou uma estátua de sal – pã! Uma vez longe das “cidades do pecado”, Ló e suas filhas se escondem em uma caverna.
E é aí que a coisa perde os limites: as filhas de Ló o embebedam – uma em cada noite – e dormem com ele. Ló não se lembra de nada. Mas, depois de nove meses, vê o resultado: nascem os netos-filhos Moabe e Ben-Ami (Gên. 19:30-38)
http://super.abril.com.br/blogs/superlistas/6-casais-incestuosos-da-biblia/

Quem escreveu a Bíblia? 2

Ela não foi escrita por somente um autor, trata-se de uma criação coletiva. "A Bíblia é um conjunto de livros escritos por autores variados e, muitas vezes, desconhecidos. Vários livros são resultado de uma produção coletiva ao longo do tempo", diz o cientista da religião João Décio Passos, da PUC-SP. Os especialistas estimam que a produção e reunião de todos os textos que compõem a Bíblia foram feitas ao longo de um período de mais de mil anos, iniciado provavelmente por volta do século 10 a.C. e estendido até o século 2 da era Cristã. A coisa complica de vez, e gera seguidas controvérsias entre os historiadores, quando se tenta identificar com precisão quem foram os responsáveis por determinados trechos da obra sagrada. Um dos grandes problemas é que até o século 2 d.C. era algo bastante comum atribuir, indevidamente, a autoria de vários textos a personagens bíblicos ou a apóstolos de Jesus.
Já existem fortes evidências, por exemplo, de que uma parte das Cartas de Paulo não foi realmente elaborada por esse importante seguidor de Cristo, e sim por escritores ainda totalmente desconhecidos. Independentemente de quem foram os autores dos vários livros que compõem a Bíblia, para a tradição judaico-cristã a obra, mais do que um trabalho humano, é principalmente o resultado de uma inspiração divina. "Acredita-se que esses textos não são apenas fruto da atividade criativa de quem os escreveu, mas também de uma ação de Deus, como prega ainda hoje a tradição católica. Os livros da Bíblia foram escritos por homens, mas são o resultado de uma revelação divina", diz o monge dom João Evangelista Kovas, do Mosteiro de São Bento, em São Paulo. É importante lembrar que boa parte do conteúdo da Bíblia é formada por textos que são considerados sagrados não apenas para os cristãos católicos e protestantes como também para os judeus.
Três vezes sagradaAlém dos protestantes, judeus também aceitam parte da Bíblia dos católicos
Grupo religioso: Cristãos católicos
Como vêem a Bíblia Católica: Aceitam os 72 livros que a compõem. Alguns têm autoria conhecida e são creditados a profetas anteriores a Cristo e a discípulos ou apóstolos de Jesus (como o Evangelho de João)
Grupo religioso: Cristãos protestantes
Como vêem a Bíblia Católica: Os protestantes não consideram sete dos 72 livros: Primeiro Macabeus, Segundo Macabeus, Judite, Baruc, Tobias, Eclesiástico e Sabedoria, além de trechos do Livro de Ester e Daniel
Grupo religioso: Judeus
Como vêem a Bíblia Católica: Aceitam apenas a parte que forma o Antigo Testamento (como os Livros de Isaías e de Ezequiel, atribuídos a esses dois profetas). Não consideram o Novo Testamento como parte da sua literatura sagrada
http://mundoestranho.abril.com.br/materia/quem-escreveu-a-biblia

Grandes momentos da Bíblia

O livro sagrado de judeus e cristãos já foi interpretado de mil maneiras. Conheça a versão literal do que está escrito: a Bíblia como ela é
A criação do mundo
O relato de como Deus criou o Universo e a Terra em 6 dias (no 7º, ele descansou) é o tema do 1º capítulo do 1º livro da Bíblia, o Gênese, cujo nome vem da palavra grega para "começo". Estudos indicam que ele teria sido escrito no século 10 a.C. A função dessa narrativa primordial é deixar claro que foi Deus quem criou tudo. Havia apenas Deus e o que o Evangelho de João chama de "Verbo", a vontade divina. A Criação ocorreu pela graça desse Verbo.

1º dia - LUZ E SOMBRA
Deus cria a luz e a separa da escuridão - ou seja, cria o dia e a noite. Também cria o mundo, ou melhor, faz um rascunho: o planeta não possuía nem forma nem vida, era apenas um abismo profundo, também chamado de "as águas".

2º dia - CÉU E TERRA
Deus divide "as águas" em duas partes, uma acima e outra abaixo, e chama de céu e terra. O mundo é separado do abismo e passa a ter forma e se distinguir do restante do "nada".

3º dia - TERRA E MAR
Deus cria a crosta terrestre, separando a superfície e os mares. De acordo com o primeiro relato do Gênese, é ainda no 3º dia que Deus cria todos os vegetais.

4º dia - SOL E LUA
Deus cria a Lua, o Sol e as outras estrelas, para brilharem no firmamento e iluminarem a Terra.

5º dia - PEIXES E AVES
Deus cria os seres aquáticos e também as aves voadoras, e ordena que suas criações se multipliquem.

6º dia - HOMEM E MULHER
Após criar os animais domésticos e os que se arrastam pelo chão e lhes indicar como alimento "a relva", Deus cria os seres humanos, que devem se multiplicar e dominar as outras criaturas. 

>> Humanos 
Deus cria Adão "à sua imagem e semelhança" com o pó da terra e sopra em seu nariz o "respiro da vida". Durante o sono, Deus lhe tira uma costela e dela faz a mulher.
7º dia - CONSENSO E DESCANSO
Deus vê que seu trabalho é bom. Finalizada a Criação, ele abençoa e santifica o 7º dia, e então descansa.



A travessia do mar Vermelho 
Os hebreus viviam como escravos no Egito havia 4 séculos quando Deus mandou que seu líder, Moisés, os levasse de volta à Terra Santa, o chamado Êxodo. Instável, o faraó mandou seu exército atrás do povo que havia recém-libertado. Os egípcios alcançaram os hebreus quando eles atravessavam o mar Vermelho, aberto apenas para sua passagem.

1. Ó FARAÓ
Para forçar o faraó a libertar os hebreus da escravidão, Deus enviou 10 pragas ao Egito (ver quadro abaixo). Só assim Moisés recebeu a permissão para deixar o Egito com o povo de Israel, após 430 anos de escravidão. Estudiosos acreditam que o faraó do Êxodo seja Ramsés 2º, que reinou de 1290 a 1244 a.C.

2. FORÇA-TAREFA
O faraó era um sujeitinho difícil: libertou os hebreus, se arrependeu e mandou trazê-los de volta. Foram enviados 600 cavaleiros e carros de guerra para alcançar os ex-escravos, que já estavam no caminho para a Terra Prometida.

3. RETAGUARDA DIVINA
Durante a marcha, Deus se manifesta na forma de nuvem. Próximo ao mar Vermelho, recua para o fim da fila e impede que os egípcios alcancem os hebreus, aterrorizando os perseguidores com trovões e fogo. 

4. O POVO DE MOISÉS
Os hebreus que escaparam do Egito sob a liderança de Moisés eram cerca de 600 mil. Levavam rebanhos de ovelhas e bois, massa de pão ázimo, armas, parte do tesouro do faraó (gentilmente cedido após as pragas) e uma urna com os ossos de José, o hebreu que foi primeiro-ministro do Egito.

5. O CARA
Moisés, criado como irmão adotivo do faraó, recebeu a missão divina de libertar seu povo dos egípcios. Volta e meia, ele precisava dar provas do poder de Deus, como, por exemplo, abrir as águas do mar Vermelho.

6. Ô ABRE ÁGUAS
Sob o poder de Deus e o comando de Moisés, que levanta os braços e ordena o milagre, as águas do mar Vermelho se abrem para permitir a passagem dos filhos de Israel. Logo em seguida, Moisés comanda e as águas desabam sobre o exército do faraó. Nenhum perseguidor sobrevive, e a caçada chega ao fim.
As pragas do egito

1. Águas do Nilo viram sangue

2. Infestação de rãs

3. Infestação de piolhos

4. Infestação de moscas

5. Morte dos animais

6. Tumores brotam nos egípcios

7. Chuva de pedras

8. Infestação de gafanhotos

9. Escuridão durante 3 dias

10. Morte de primogênitos de egípcios


O fim do mundo 
O Apocalipse, último livro da Bíblia, não dá uma data, mas revela como o mundo vai acabar. O livro, escrito no final do século 1, recorre a monstros e catástrofes sobrenaturais para reforçar os valores cristãos: depois de tanta tragédia, os escolhidos irão para o céu.

1. INÍCIO DO FIM
Um anjo revela o apocalipse a João, e ordena que ele escreva tudo o que vê. Tem início um relato surrealista, em que Deus comanda uma cerimônia que vai levar ao fim dos tempos. 

2. TROMBETAS
Anjos sopram trombetas que trazem pestes às plantações, meteoros que extinguem a vida marinha, o fim do Sol e da Lua, gafanhotos gigantes e um exército do mal. E tem mais.

3. O NÚMERO 7
O livro é repleto de conjuntos de 7 coisas: igrejas, anjos, selos, tochas, taças, estrelas, trombetas, candelabros e até um monstro com 7 chifres e 7 olhos que, para a maioria dos estudiosos, é uma referência explícita a Jesus, embora o livro mantenha o mistério.

4. TAÇAS
A última trombeta traz uma terceira leva de desgraças: 7 taças da Ira de Deus, que causam chagas, rios de sangue, calor intenso, escuridão, outro exército do mal e mais meteoros. Quem sobra vai para o Juízo Final.

5. JUÍZO FINAL
Jesus segura o Livro da Vida, e tem na sua frente uma fila com pessoas de todas as épocas. Basicamente, se você foi um bom cristão, seu nome está lá e você é abençoado com a vida eterna no paraíso. Caso seu nome não conste, você é condenado à morte, também eterna, no inferno. 

Livro dos 7 selos
Deus tem na mão um pergaminho com 7 selos. Cada vez que um é aberto ocorre uma tragédia.

1º selo Cavaleiro da peste

2º selo Cavaleiro da guerra

3º selo Cavaleiro da fome

4º selo Cavaleiro da morte

5º selo Almas dos mártires

6º selo Terremoto, Sol negro, Lua vermelha, estrelas caem na Terra e a humanidade se esconde

7º selo Trombetas dos anjos, que causam mais destruição

http://super.abril.com.br/religiao/grandes-momentos-biblia-614298.shtml

A BIBLIA COMO ELA É

e se Moisés morasse em Nova York? Um jornalista americano decidiu passar um ano inteiro seguindo as leis bíblicas ao pé da letra

por Texto Marcos Nogueira





jesus respondeu, e disse-lhe: “Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo não pode ver o reino de Deus”.
Disse-lhe Nicodemos: “Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer”?
João, 3:3-4
Nicodemos não era burro nem ignorante. São Nicodemos, aliás, era um homem letrado, um rabino do sinédrio de Jerusalém – algo como o Supremo Tribunal da Judéia nos tempos bíblicos. Jesus falava de renascimento espiritual, mas o sábio tomou demasiado literalmente Suas palavras, como mostra o Evangelho de São João. Se até os contemporâneos de Jesus tinham problemas com tantas parábolas, metáforas e alegorias, imagine o que não ocorre às pessoas do século 21, desacostumadas ao estilo empolado em que os livros da Bíblia foram escritos, milhares de anos atrás.
Aqueles que interpretam a Bíblia ao pé da letra não apenas existem, como têm voz no gabinete presidencial dos EUA. São os fundamentalistas bíblicos. Eles crêem que o Universo foi criado em 7 dias de 24 horas e não duvidam que Matusalém tenha morrido aos 969 anos (e concebido um filho aos 187 anos). Mais: a palavra é a lei. Se os livros mandam dar o dízimo, lá se vão 10% da renda da pessoa; se os textos sagrados condenam a luxúria, é dever zelar pela castidade – a própria e a alheia.
O jornalista americano A.J. Jacobs fez uma lista de 72 páginas com mais de 700 regras, do Gênesis ao Apocalipse, que arbitram a conduta do homem comum. Decidiu que passaria um ano vivendo de acordo com os preceitos bíblicos, interpretando sozinho as escrituras. E encarnou o “fundamentalista máximo”, como ele define na introdução do livro que resultou desse projeto, TheYear of Living Biblically (“O Ano em Que Vivi Biblicamente”, ainda sem previsão de lançamento no Brasil).
Jacobs, um judeu que se define como agnóstico no início do livro, dividiu sua missão da seguinte forma: apenas os 3 últimos meses seriam dedicados ao Novo Testamento, exclusivo dos cristãos; os 9 primeiros abordariam o Velho Testamento, que cobre um período histórico muito mais extenso e também é adotado pelo judaísmo. Muitos dos ditames dos livros mais antigos já são observados pelos judeus de correntes ortodoxas.
No decorrer do tal ano bíblico, Jacobs foi se metamorfoseando numa espécie de Moisés a perambular pelas ruas de Nova York. Parou de aparar a barba (Levítico, 19:27), usou azeite como condicionador capilar e passou a vestir uma túnica branca (Eclesiastes, 9:8). Ainda no quesito ves­tuário, livrou-se das peças cujo tecido misturava lã e linho, pois a lei sagrada proíbe tal combinação (Levítico, 19:19). Jacobs esperava ser o único americano do século 21 a cumprir tal norma, mas encontrou um inspetor religioso especializado em examinar as roupas alheias ao microscópio, para detectar as fibras proibidas.
Julie, a mulher de A.J., não ficou lá muito contente com o novo visual do marido, mas foi outra regra bíblica que balançou a casa dos Jacobs: a proibição de tocar mulheres durante o período menstrual (Levítico, 15:19). Da porta para fora, tudo era uma maravilha para Julie. Ele não encostaria em nenhuma outra mulher, sequer apertaria sua mão, já que não poderia saber se ela estava ou não naqueles dias – exceção feita para uma colega da redação da revista Esquire, que lhe enviou as datas por e-mail. Dentro de casa, porém, a coisa ficou feia. A regra é clara e diz que a impureza da mulher menstruada se transmite para onde ela repousar o traseiro. Para contagiar o marido com sua irritação, Julie passou a sentar em todas as cadeiras do apartamento. Nosso herói não teve outra saída senão comprar um banquinho portátil que, quando dobrado, vira um cajado. Nada mais bíblico.
A esta altura, você já deve ter notado que uma boa parte das citações deste texto tem origem no Levítico. Esse é o livro que descreve o episódio em que Deus chama Moisés para o topo do monte Sinai e lhe dita os 10 mandamentos. Mas a coisa não acabou aí: Moisés passou 40 dias escutando as leis que o Senhor tinha a passar para o povo de Israel. Algumas diziam respeito à alimentação. Porco não pode (11:7). Coelho não pode (11:5). Escargot não pode (11:30). Camarão não pode (11:12), independentemente do tamanho – por acreditar que existam crustáceos microscópicos na água encanada de Nova York, alguns rabinos de lá recomendam o uso exclusivo de água mineral.
Jacobs obedeceu a todas as proibições.Mas o que de fato chamou sua atenção foi um alimento permitido: insetos saltadores (Levítico, 11:22). E por que diabos (ops!) comer grilos e gafanhotos? “A única referência a esse hábito na Bíblia é a história de são João Batista, que sobreviveu à base de gafanhotos e mel”, diz Jacobs no livro. O autor, então, agiu como o santo: encomendou uma caixa de bombons de grilo e, mui biblicamente, repartiu a refeição com um relutante amigo. Nojento? Talvez, mas nada mais que isso.
Já a ordem bíblica para apedrejar adúlteros (Levítico, 20:10) induz ao crime de assassinato. O sagazJacobs encontrou um jeito para obedecer à lei divina sem cair nas malhas da lei mundana. “A Bíblia não especifica o tamanho das pedras”, afirma. O que ele fez, então? Encheu o bolso com pedregulhos e foi à cata de uma vítima, o que deveria ser a parte mais difícil da tarefa. Eis que um desconhecido de 70 anos ou mais agrediu verbalmente nosso aspirante a beato, perguntando por que ele “se vestia como uma bicha”. Jacobs explicou que estava lá para apedrejar adúlteros. “Eu sou um adúltero”, disse o homem – e levou uma pedrada de leve no peito. Ponto para o vingador bíblico.
Manter escravos também não pega muito bem no Ocidente do século 21, mas era  prática corrente em todo o mundo na Antiguidade. O Velho Testamento, inclusive, traz instruções para espancar o servo sem causar sua morte imediata (Êxodo, 21:21) e recomenda não arrancar seu olho (Êxodo, 21:26), sob pena de ter de libertá-lo. Jacobs já havia desistido do personal escravo quando recebeu o seguinte e-mail: um universitário se oferecia como estagiário particular. “Qual é a coisa mais próxima da escravidão nos EUA?”, pergunta o autor. “Estágio não remunerado”, responde ele mesmo. “Caiu do céu.” O rapaz aceitou a condição do escritor – que exigiu chamá-lo de “escravo” –, mas o pior castigo que recebeu foi tirar algumas cópias xerox.   
Para que fazer tudo isso, afinal? O apedrejamento e o escravo foram apenas brincadeiras – embora o estagiário tenha realmente caído do céu. De resto, Jacobs não se ocupou somente de costumes exóticos e bizarros para faturar com o livro (a honestidade bíblica o obrigou a dizer que esse era, sim, um dos motivos de seu projeto). Ele impôs a si mesmo uma rotina de rezas (Salmos, 105:1), de caridade (Lucas, 11:41), de respeito às tradições de seu povo e aos idosos (Levítico, 19:32). Até palavrão ele parou de falar (Efésios, 5:4).
Essa parte menos espetacular do ano bíblico de Jacobs foi justamente a mais difícil. Para reprimir a luxúria (Oséias, 4:10), o autor cobriu com fita adesiva as imagens de potencial apelo sexual de sua casa – inclusive a foto de uma mulher vestida de gueixa numa caixa de chá. Não funcionou. O método mais eficiente de resistir à tentação, segundo ele, era pensar na própria mãe (aqui temos um claro abuso do voto de honestidade do autor).
Também a cobiça (Êxodo, 20:17) foi dura de controlar. Um dia, Jacobs listou as coisas que cobiçara desde a manhã: o cachê que outro escritor cobra por palestra, um computador PDA, a paz mental do fulano da loja de Bíblias, o jardim da vizinha, George Clooney e o roteiro do filme Como Enlouquecer Seu Chefe, de Mike Judd. E isso ele escreveu às 2 horas da tarde.
O maior desafio de A.J. Jacobs, contudo, foi a fé – que, convenhamos, é um requisito e tanto para ser plenamente bíblico. O escritor do início do livro é um homem de 38 anos, com um filho de 2 anos e uma enorme vontade de aumentar a família (Gênesis, 1:22). Ele não tem fé, mas sente falta de um alicerce moral para o próprio lar e mergulha na religião, um terreno desconhecido. Nos primeiros meses, sente-se desconfortável ao rezar; perto do fim do projeto, experimenta o êxtase místico – dançando feito um rabino louco ao som de Beyoncé, na festa de 12 anos (bat mitzvah) de uma sobrinha. Mas ainda se declara agnóstico.
Aparentemente, o cara conseguiu encontrar o sentido que buscava. E uma explicação, embora nem sempre convincente, para cada uma das regras bíblicas. A enorme barba, por exemplo, serve para indicar que se trata de um homem de paz. Um guerreiro nunca a usaria, pois o inimigo se agarraria aos seus pêlos – assim lhe disse um líder religioso em Jerusalém.
Jacobs encontra sentido até no mais estapafúrdio dos mandamentos, que ordena decepar as mãos da mulher que agarrar “as vergonhas” do oponente de seu marido em uma briga (Deuteronômio, 25:11-12). Aqui, a mensagem oculta é: a mulher causou vergonha tanto ao próprio marido (que venceu a luta injustamente) quanto ao inimigo dele. A interpretação rabínica das escrituras diz que a mulher que envergonha o marido deve pagar uma multa – a mutilação é metafórica.
Se os judeus aceitam como metáfora uma ordem divina e os cristãos ignoram muito do Velho Testamento – a vinda de Cristo teria anulado a necessidade de circuncisão, entre outras coisas –, quem segue a Bíblia ao pé da letra, de cabo a rabo? “Ninguém”, conclui Jacobs, “nem os fundamentalistas”. Quem se propõe a fazer uma leitura literal da Bíblia acaba sempre escolhendo o que vai obedecer.  

Eles vivem biblicamente

Testemunhas de Jeová
Não prestam serviço militar porque “todos os que lançarem mão da espada, à espada morrerão” (Mateus, 26:52). Não celebram o Natal ou outra data cristã, pois a Bíblia nada fala a respeito disso. Tampouco comemoram aniversários, pois as únicas menções bíblicas a eles são em festas de gente má – um faraó e um rei judeumancomunado com os romanos. E repelem as transferências de sangue numa interpretação radical da frase bíblica “nenhum sangue comereis” (Levítico, 7:26).
Judeus messiânicos
No capítulo 19 do livro Números, há uma profecia a respeito de uma novilha vermelha, sem nenhum pêlo de outra cor, que deve ser sacrificada e cremada para a purificação espiritual de quem tocar suas cinzas. Acontece que os sacrifícios animais só podem ocorrer no templo de Jerusalém. O 2º templo de Jerusalém foi destruído pelos romanos, e a construção do 3º templo marcará a chegada do Messias. Judeus ultra-ortodoxos dos EUA tentam criar a tal novilha na esperança de que ela seja o estopim dessa era messiânica. Até agora, sem sucesso.
Domadores de cobras
Alguns pastores da Igreja de Deus no sul dos EUA brincam com cobras venenosas como uma prova de fé. Eles fazem isso porque a Bíblia afirma que os homens de fé em Cristo “pegarão nas serpentes” (Marcos, 16:18). Uma interpretação menos literal diz que as cobras são, na verdade, dificuldades e provações.


 http://super.abril.com.br/religiao/biblia-como-ela-e-447269.shtml